As palavras são de Kristin Enmark. Ela tinha 23 anos em agosto de 1973, quando foi mantida refém por seis dias com mais três pessoas, em um banco na Suécia.
Era o segundo dia do sequestro. O assaltante Jan-Erik Olsson queria mostrar à polícia que estava falando sério, atirando no colega de Enmark, o apavorado Sven Säfström.
Em 2016, ela contou ao programa de rádio Witness History, do Serviço Mundial da BBC:
“Jan disse a ele: ‘Não vou machucar nenhum osso da sua perna. Vou só atirar na parte que não irá machucar muito’.”
Analisando o que aconteceu, ela tinha dificuldade para entender a insensibilidade da sua reação. “Naquela situação, achei que ele estava sendo um tanto covarde, não deixando que fosse atingido na perna”, disse ela.
Olsson não levou seu plano adiante, mas Säfström admitiu posteriormente que também se sentiu agradecido aos seus sequestradores. E precisou se esforçar para lembrar que eles eram criminosos violentos, não seus amigos.
Após o sequestro, a expressão síndrome de Estocolmo foi criada pelo psiquiatra e criminologista sueco Nils Bejerot (1921-1988). Ela designa o afeto aparentemente irracional que alguns prisioneiros desenvolvem pelos seus sequestradores.
A teoria chegou ao público em geral um ano depois, quando a herdeira do setor jornalístico da Califórnia (EUA) Patty Hearst foi sequestrada por militantes revolucionários. A jovem de 19 anos aparentemente se solidarizou com seus sequestradores e chegou a acompanhá-los em um assalto.
Ela acabou sendo capturada e condenada à prisão. Segundo seu advogado de defesa, Hearst havia passado por lavagem cerebral e sofria da síndrome de Estocolmo.
A arte da negociação entre a polícia e os sequestradores surgiu na década de 1970, com os policiais de Nova York (EUA) Frank Bolz e Harvey Schlossberg.
A ideia surgiu após o fracassado resgate durante os Jogos Olímpicos de 1972 em Munique, na Alemanha. Naquela ocasião, 11 atletas israelenses foram mortos depois de terem sido capturados por membros de um grupo militante palestino.
Em 1980, Bolz e Schlossberg participaram do documentário da BBC “Inside Story: Hostage Cops”. Eles explicaram que a equipe de negociação de sequestros do Departamento de Polícia de Nova York surgiu devido aos temores de que algo similar pudesse acontecer na cidade.
O objetivo era solucionar situações com segurança, sem invasões com armas de fogo, como nos filmes de Hollywood.
A tática de retardar as negociações permitia que os sequestradores tivessem mais tempo para cometer erros e criava espaço para que eles formassem empatia com os prisioneiros, reduzindo a possibilidade de um final violento.
No final dos anos 1970, cerca de 1,5 mil forças policiais haviam enviado oficiais para Nova York. Eles foram aprender com a experiência prática de Bolz em mais de 200 sequestros.
Suas lições chegaram ainda mais longe quando uma equipe de produção de documentários da BBC assistiu a uma aula magistral oferecida por Bolz e Schlossberg, ex-policial de trânsito com doutorado em psicologia.
Para Schlossberg, a síndrome de Estocolmo —ou Síndrome de Identificação de Sobrevivência— não era um conceito complicado.
“Queríamos simplesmente dizer que, quando duas ou mais pessoas se reúnem, elas formam um relacionamento —é apenas isso”, explicou ele. E “é claro que, quanto mais tensa for a situação, mais rápido e intenso será o relacionamento.”
“Quando as pessoas estão em crise e não sabem ao certo o que irá acontecer, a única coisa de que todos nós temos medo é de ficarmos loucos. Ou seja, estamos sempre preocupados, será que estamos perdendo o juízo? Isso realmente está acontecendo comigo? O que estou fazendo em uma coisa destas? Estou passando por isso?”
“E o que fazemos é comparar nossos sentimentos com outra pessoa porque, se aquela pessoa estiver compartilhando esta experiência, estiver vendo as mesmas coisas, não estiver ficando maluca e isso realmente estiver acontecendo, talvez esteja tudo bem.”
Schlossberg afirmava que os criminosos costumam colocar os reféns ao telefone para conversar com os negociadores, mas não faz sentido tentar obter deles informações sigilosas.
“O refém irá contar ao criminoso tudo o que você disser a ele”, explicava Schlossberg. “Eles são testemunhas terríveis e, quando são libertados, as informações de inteligência que eles fornecem podem não ter utilidade.”
Bolz explicou que, quando os sequestradores fazem exigências, é importante não descartá-las diretamente. “Você nunca diz não a eles, mas não necessariamente responde sim. É sempre ‘vou ver o que posso fazer —vou tentar para você’.”
Para Schlossberg, é fundamental que a polícia mantenha o controle da situação. Ele insistia que o sequestrador “irá falar com o nosso negociador ou não falará com ninguém”.
“Não queremos advogados, mães, padres —não queremos que eles falem”, explicava ele. “A fantasia é que você não vai falar com ninguém, a menos que consiga a pessoa com quem quer falar. A realidade é por quanto tempo você conseguiria se sentar nesta sala e não fazer contato com o mundo exterior?”.
Na época do sequestro de Estocolmo, a polícia sueca não contava com nenhuma destas lições. Por isso, houve uma série de erros básicos que não aconteceriam hoje em dia.
Quando Olsson invadiu o banco Sveriges Kreditbanken, ele exigiu 3 milhões de coroas suecas (R$ 1,6 milhão ao câmbio atual), um carro para fugir e a liberação de outro criminoso que estava na cadeia.
Ele não conseguiu o dinheiro nem o carro, mas o psiquiatra Nils Bejerot aconselhou a polícia a atender ao seu pedido de que um dos criminosos mais famosos da Suécia, Clark Olofsson, fosse levado ao banco, na Praça Norrmalmstorg, em Estocolmo.
Olofsson recebeu a tarefa de trabalhar infiltrado. Em troca, sua pena seria reduzida.
Bejerot foi responsável por cunhar a expressão síndrome de Norrmalmstorg, que depois passou a ser conhecida como a síndrome de Estocolmo.
Para alguns, esta teoria foi uma tentativa de desviar a atenção dos erros cometidos por ele e por seus colegas policiais durante o sequestro, colocando a culpa nas vítimas.
Ao longo do sequestro, os quatro reféns e dois criminosos começaram a desenvolver uma relação improvável dentro do cofre do banco, em meio a aparentes atos de bondade dos sequestradores.
Por outro lado, os reféns expressaram mais hostilidade em relação à polícia, temendo que qualquer tentativa de colocar fim ao impasse pudesse resultar na sua morte.
O carismático Olofsson convenceu a refém Kristin Enmark a manter contato telefônico com o então primeiro-ministro da Suécia, Olof Palme (1927-1986). Ela implorou para poder sair do banco em um carro de fuga com os sequestradores.
“Acho que você está sentado jogando xadrez com as nossas vidas”, disse ela ao primeiro-ministro.
“Confio plenamente em Clark e no assaltante. Não estou desesperada. Eles não fizeram nada conosco. Pelo contrário, eles têm sido muito gentis. Mas, sabe, Olof, o meu receio é que a polícia venha atacar e nos leve à morte.”
Em 2016, Enmark declarou à BBC: “Gostaria que aquela chamada telefônica nunca tivesse acontecido porque era uma chamada sem sentido. Eu estava ali, sentada, pedindo pela minha vida. Ele era o primeiro-ministro. O que ele poderia dizer?”
Por vários dias, os reféns foram mantidos dentro do cofre do banco. O prédio estava rodeado por policiais armados.
A polícia acabou decidindo invadir pelo teto e desarmar os sequestradores com gás lacrimogêneo. Os guardas gritaram para que os reféns saíssem primeiro, mas eles se recusaram, acreditando que os sequestradores seriam mortos.
Por isso, enquanto saíam, os criminosos pararam no corredor para abraçar duas das mulheres sequestradas. E Säfström, que havia escapado por pouco de levar um tiro na perna, recebeu um forte aperto de mãos.
Este comportamento surpreendeu grande parte do público sueco, que acompanhava há dias os dramáticos eventos sucedidos no banco.
Bejerot diagnosticou a síndrome de Estocolmo sem sequer falar com Enmark, mas a teoria parecia ser uma explicação plausível. Por isso, ela capturou a imaginação da imprensa internacional.
Para os negociadores de sequestros de Nova York Frank Bolz e Harvey Schlossberg, em 1980, o conceito da síndrome pode ser considerado uma ferramenta útil para descrever a dinâmica interpessoal em uma situação traumática.
Mas este rótulo é uma representação totalmente errônea da experiência de Kristin Enmark, segundo o terapeuta canadense Allan Wade, que manteve extensas conversas com a vítima do sequestro na capital sueca.
Em 2023, Wade declarou à BBC que “a expressão ‘síndrome de Estocolmo’ tem fortes raízes no pensamento psicanalítico europeu”.
“Mas, naquele momento, ela foi empregada para silenciar e desacreditar uma jovem furiosa que havia resistido à violência, protegendo a si própria e a outras pessoas por seis dias e meio. Ela foi usada para defender a reação da polícia.”
Enmark declarou em 2016 que manteve sua amizade com Olofsson, o homem que foi retirado da prisão para atender às exigências de Olsson.
Wade afirma que, durante o sequestro, o prisioneiro “realmente estava trabalhando para tentar fazer com que algumas das pessoas se sentissem mais seguras.”
“Se você tratar Clark Olofsson como se ele fosse simplesmente mais um sequestrador, terá dificuldade para compreender por que Kristin ou os demais poderiam ter alguma espécie de recordação positiva sobre ele”, explica o terapeuta.
Em entrevista para o programa Sideways, da BBC Rádio 4, em 2021, Kristen fez uma avaliação incisiva da síndrome de Estocolmo. “É besteira, se é que se pode falar isso na BBC. É uma forma de culpar a vítima. Eu fiz o que pude para sobreviver.”