Guarda costeira da Grécia jogou imigrantes no mar para morrerem, revelam testemunhas
Mais de 40 pessoas teriam morrido em consequência das ações do órgão, segundo análise da BBC
Publicada em 20/06/24 às 16:32h - 13 visualizações
Rádio RIR Brasil Goiânia - Direção: Ronaldo Castro - e Marcio Fernandes 62 99951- 6976
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(Foto: Rádio RIR Brasil Goiânia - Direção: Ronaldo Castro - e Marcio Fernandes 62 99951- 6976)
(Folhapress) A guarda costeira da Grécia é responsável por dezenas de mortes de migrantes no Mediterrâneo num período de três anos, incluindo nove que foram deliberadamente jogados no mar, segundo revelaram testemunhas.
Esses nove estão entre as mais de 40 pessoas que supostamente morreram por terem sido sido forçadas a deixar as águas territoriais gregas ou levadas de volta para o mar após terem desembarcado nas ilhas gregas, descobriu uma análise feita pela BBC.
A guarda costeira da Grécia disse à equipe de investigação que rejeita veementemente todas as acusações de atividades ilegais.
Mostramos a uma ex-autoridade da guarda costeira grega imagens em vídeo de 12 pessoas sendo colocadas em um barco da guarda costeira grega e depois abandonadas num bote. Ao se levantar da cadeira, com o microfone ainda ligado, ele disse que a ação era “obviamente ilegal” e “um crime internacional”.
O governo da Grécia é acusado há muito tempo de promover retornos forçados —obrigando as pessoas a voltarem para a Turquia, de onde partiram, o que é ilegal segundo o direito internacional. Mas esta é a primeira vez que a BBC calcula o número de incidentes com mortes que supostamente ocorreram como resultado das ações da guarda costeira.
Os 15 incidentes que analisamos —datados de 23 de maio de 2020— resultaram em 43 mortes. As fontes de informação iniciais foram principalmente a imprensa local, ONGs e a guarda costeira turca.
A verificação de tais relatos é difícil —as testemunhas muitas vezes desaparecem ou ficam com medo de falar. Mas, em quatro destes casos, conseguimos confirmar os relatos conversando com testemunhas oculares.
Nossa pesquisa, que foi apresentada em um novo documentário da BBC, “Dead Calm: Killing in the Med?”, sugere um padrão claro.
Em cinco dos incidentes, os migrantes afirmaram que foram jogados diretamente no mar pelas autoridades gregas. Em quatro destes casos, eles explicaram como haviam chegado às ilhas gregas, mas foram capturados. Em vários outros incidentes, os migrantes disseram que foram colocados em botes infláveis sem motor, que depois esvaziaram ou pareciam ter sido perfurados.
Um dos relatos mais assustadores foi feito por um camaronês, que afirma ter sido capturado pelas autoridades gregas após desembarcar na ilha de Samos, em setembro de 2021. Assim como todas as pessoas que entrevistamos, ele disse que estava planejando se registrar em solo grego como solicitante de asilo.
“Mal havíamos atracado, e a polícia veio por trás”, contou ele. “Havia dois policiais vestidos de preto, e outros três em traje civil. Eles estavam mascarados, você só conseguia ver os olhos deles.”
Ele e outros dois homens —um conterrâneo de Camarões e outro da Costa do Marfim— foram transferidos para um barco da guarda costeira grega, conforme seu relato, onde os acontecimentos tomaram um rumo assustador.
“Eles começaram com o [outro] camaronês. Jogaram ele na água. O homem da Costa do Marfim disse: ‘Me salva, não quero morrer’. (…) Por fim, apenas sua mão estava acima da água, seu corpo estava embaixo [d’água]”, conta ele. “Lentamente, sua mão foi descendo, e a água o engoliu.”
Nosso entrevistado diz que os sequestradores o espancaram.
“Choviam socos na minha cabeça. Era como se eles estivessem socando um animal.” Na sequência, ele conta que eles também o empurraram para dentro da água sem colete salva-vidas. Ele conseguiu nadar até a costa, mas os corpos dos outros dois —Sidy Keita e Didier Martial Kouamou Nana— foram recuperados no litoral turco.
Os advogados do sobrevivente exigem que as autoridades gregas abram um processo de duplo homicídio.
Outro homem, da Somália, contou à BBC como, em março de 2021, havia sido capturado pelo Exército grego ao chegar à ilha de Chios, que depois o entregou à guarda costeira grega. Ele disse que a guarda costeira amarrou suas mãos atrás das costas antes de jogá-lo na água.
“Eles me jogaram amarrado no meio do mar. Queriam que eu morresse”, afirmou.
Ele contou que conseguiu sobreviver flutuando de costas, antes de soltar uma das mãos da corda. Mas o mar estava agitado, e três pessoas do seu grupo morreram. Nosso entrevistado conseguiu chegar à costa, onde acabou sendo avistado pela guarda costeira turca.
No incidente com maior perda de vidas, em setembro de 2022, um barco que transportava 85 migrantes teve um problema perto da ilha grega de Rodes, quando seu motor parou.
Mohamed, da Síria, nos contou que eles telefonaram em busca de ajuda para a guarda costeira grega, que os colocou em um barco, levou-os de volta às águas turcas, e os deixou lá em botes salva-vidas. Mohamed diz que o bote que ele e sua família receberam não estava com a válvula devidamente fechada.
“Nós começamos a afundar imediatamente, eles viram isso. (…) Eles ouviram todos nós gritando, mas ainda assim nos deixaram lá”, afirmou ele à BBC.
“A primeira criança que morreu foi o filho do meu primo. (…) Depois, foi uma por uma. Outra criança, mais uma criança, depois meu primo desapareceu. Pela manhã, sete ou oito crianças haviam morrido. Meus filhos só morreram de manhã (…) pouco antes da chegada da guarda costeira turca.”
A lei grega permite que todos os migrantes em busca de asilo registrem sua solicitação em centros de registro especiais em várias ilhas.
Mas nossos entrevistados, que contatamos com a ajuda da organização de apoio aos migrantes Consolidated Rescue Group, disseram que foram detidos antes de conseguir chegar a estes centros. Eles contam que esses homens estariam aparentemente operando à paisana —sem uniforme e, muitas vezes, mascarados.
Grupos de direitos humanos alegam que milhares de pessoas que buscam asilo na Europa foram ilegalmente forçadas a voltar da Grécia para a Turquia e tiveram negado o direito de buscar asilo, que está consagrado no direito internacional e da União Europeia.
O ativista austríaco Fayad Mulla nos disse que descobriu por si só o quão clandestinas parecem ser estas operações em fevereiro do ano passado, na ilha grega de Lesbos.
Ao dirigir com destino ao local de um suposto retorno forçado após receber uma denúncia, ele foi parado por um homem de capuz, que trabalhava para a polícia, conforme revelado mais tarde. Ele contou que a polícia tentou apagar o vídeo dele sendo parado da sua dashcam (câmera de painel para carro) e acusá-lo de resistir a um policial.
No fim das contas, nenhuma outra ação foi tomada.
Dois meses depois, em um local semelhante, Mulla conseguiu filmar um retorno forçado, publicado pelo jornal americano The New York Times. Um grupo que incluía mulheres e bebês desceu da traseira de uma van sem identificação e marchou por um cais até um pequeno barco.
Eles foram então transferidos para uma embarcação da guarda costeira grega mais distante da costa, levados para alto mar e depois colocados em uma balsa, na qual foram deixados à deriva.
Mostramos esta filmagem, que a BBC verificou, a Dimitris Baltakos, ex-chefe de operações especiais da guarda costeira grega.
Durante a entrevista, ele se recusou a especular sobre o que as imagens mostravam —tendo negado, no início da nossa conversa, que a guarda costeira grega seria instada a fazer algo ilegal. Mas durante um intervalo, ele foi gravado dizendo a alguém, fora do enquadramento da câmera, em grego: “Não contei muita coisa para eles, né? (…) Está bem claro, não está? Não é física nuclear. Não sei por que fizeram isso em plena luz do dia. (…) É (…) obviamente ilegal. É um crime internacional.”
As imagens do vídeo estão atualmente sendo investigadas pela Autoridade Nacional de Transparência independente da Grécia.
Uma jornalista investigativa com quem conversamos, baseada na ilha de Samos, diz que começou a conversar com um membro das forças especiais gregas por meio do aplicativo de relacionamento Tinder. Quando ele telefonou para ela a partir do que descreveu como um “navio de guerra”, Romy van Baarsen perguntou a ele sobre seu trabalho —e o que acontecia quando suas forças avistavam um barco de refugiados.
Ele respondeu que eles os “levavam de volta” e disse que tais ordens eram “do ministro”, acrescentando que seriam punidos se não conseguissem deter um barco.
A Grécia sempre negou a ocorrência das chamadas “recusas”.
A Grécia é uma porta de entrada para a Europa para muitos migrantes. No ano passado, houve 263.048 chegadas marítimas na Europa, e a Grécia recebeu 41.561 (16%) delas. A Turquia assinou um acordo com a União Europeia em 2016 para impedir a passagem de migrantes e refugiados para a Grécia, mas disse em 2020 que já não poderia aplicar a medida.
Apresentamos as conclusões da nossa investigação à guarda costeira grega. Eles responderam que seus funcionários trabalhavam “incansavelmente com o máximo profissionalismo, um forte senso de responsabilidade e respeito pela vida humana e pelos direitos fundamentais”, acrescentando que estavam “em plena conformidade com as obrigações internacionais do país”.
“Deve-se destacar que, de 2015 a 2024, a Guarda Costeira Helênica resgatou 250.834 refugiados/migrantes em 6.161 incidentes no mar. A execução impecável desta nobre missão foi positivamente reconhecida pela comunidade internacional”, acrescentou.
A guarda costeira grega foi criticada anteriormente por seu papel no maior naufrágio de migrantes no Mediterrâneo em uma década. Acredita-se que mais de 600 pessoas tenham morrido depois que o barco Adriana afundou na área de resgate demarcada da Grécia, em junho do ano passado.
As autoridades gregas insistiram que o barco não estava com problemas, e estava a caminho da Itália em segurança, por isso a guarda costeira não fez uma tentativa de resgate.
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