Movimento quer do governo um plano nacional de reforma agrária e Ministério diz que trabalha num anúncio sobre o tema
Por Rubens Valente, da Agência Pública
O governo federal chegou a abril – mês tradicionalmente marcado, desde 1997, por mobilizações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) para cobrar agilidade no programa da reforma agrária – ainda mantendo bolsonaristas ou ligados ao agronegócio no comando de superintendências do Incra nos Estados, além de dez cargos vagos no país, segundo João Paulo Rodrigues, da direção nacional do MST, em entrevista coletiva nesta terça-feira (11) em Brasília. O MST pede que o governo substitua os bolsonaristas e preencha todos os cargos-chave do órgão responsável pela reforma agrária no país.
O MST também cobra que o governo Lula estabeleça políticas de crédito para famílias assentadas na reforma agrária e que “assente todas as famílias acampadas desde o governo Dilma”. Desde 2016, disse Rodrigues, “não se assentou uma única família nesse país”. “É importante que a imprensa ajude a informar isso para a população. Eu tô falando de famílias que estão há dez anos debaixo da lona, cinco anos, seis anos, e por isso tem que ter uma saída. Essas famílias que estão debaixo da lona são aproximadamente 60 mil famílias e, no total, as que estão cadastradas e lutam pela terra, chegam a 100 mil famílias.” O MST quer que o governo apresente um plano nacional de reforma agrária.
Neste mês o MST realiza uma “jornada de lutas em defesa da reforma agrária” que envolve uma série de ações, como ocupações de fazendas, audiências em órgão do governo federal em Brasília e distribuição de alimentos produzidos pelo movimento. Anualmente, no mês de abril o MST lembra o massacre de Eldorado dos Carajás, quando 21 sem-terra do MST foram assassinados pela Polícia Militar do Pará em 17 de abril de 1996.
Um dos pontos mais criticados pelo MST no início do governo Lula é a demora no preenchimento dos cargos mais importantes do Incra nos Estados. “Peço aqui para [pela] imprensa que está nos acompanhando, que a Casa Civil, junto com o MDA [Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar], nomeie os demais superintendentes do Incra. Não tem condições de nosso povo eleger um novo governo e ter que negociar com bolsonarista que historicamente foi muito contra o nosso povo”, disse Rodrigues.
Em nota à Agência Pública, o MDA afirmou que “todas as nomeações para as superintendências regionais do Incra já estão sendo tratadas na Casa Civil e na Secretaria de Relações Institucionais. Atualmente, 15 já foram efetivadas, a saber: as três do Pará, Pernambuco, Bahia, São Paulo, Paraná, Maranhão, Acre, Paraíba, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Sergipe, Piauí e Distrito Federal”.
O MDA disse ainda que, “em diálogo com a Presidência da República, está elaborando um anúncio sobre a retomada do programa nacional da reforma agrária que será feito neste mês de abril”.
Na entrevista coletiva desta terça-feira, o MST disse que luta pelo fortalecimento do Incra nos Estados como “órgão responsável pela execução da reforma agrária”. “Não existe reforma agrária feita por deputado, pelo MST, por fazendeiro, nada disso. […] É por isso que nós estamos brigando com o governo para fortalecer o Incra, desburocratizar o Incra e nomear logo os superintendentes nos Estados para ser o responsável da reforma agrária e dar transparência a todo o modelo e a consolidação de programa sério de obtenção de terra para transformar em assentamento”, afirmou Rodrigues.
“Nós temos preocupações ainda, no âmbito do MDA, com a nomeação dos demais cargos do Incra que ainda estão demorando muito. Não se explica, nós temos 10 estados que ainda não tem o novo superintendente. Significa que o nosso pessoal tem que lidar com essas situações de superintendente bolsonarista, como é o caso específico de Alagoas. Que é um bolsonarista que andava armado nas áreas do assentamento. Nós já pedimos à Casa Civil que apresse o processo de indicação de nomes. Faz parte da coalizão do governo, mas que é importante que possa ser realizado.”
As cobranças do MST, contudo, não significam nenhum rompimento com o governo ou com Lula. O MST foi um dos principais setores a prestar solidariedade ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao longo dos processos que respondeu na Operação Lava Jato e foi um dos principais organizadores da vigília que durou 580 dias na frente da superintendência da Polícia Federal em Curitiba (PR), onde o atual presidente ficou preso.
Rodrigues havia lembrado, no começo da entrevista desta terça-feira, que “a primeira tarefa nossa é defender o governo Lula, nós ajudamos a eleger o governo Lula, nós somos parte desse campo político que fez a campanha [eleitoral], que lutou contra o golpe, que lutou contra o bolsonarismo”. Ele também afirmou que uma das metas do MST é “lutar contra o Banco Central e a política de juros do [presidente do BC] Campos Neto. Queremos aqui deixar registrado que faz um desserviço para o Brasil com a sua política de juros e não tem necessidade, pelas condições econômicas que vive o Brasil, de nós termos uma política de juros tão alta”.
O apoio a Lula não impede as pressões por novos assentamentos e as críticas pela condução da reforma agrária. A demora na “desbolsonarização” do Incra incomoda o MST. Um dos casos mais criticados é a permanência de Wilson César de Lira Santos, primo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), no comando do Incra de Alagoas. Ele tomou posse em 2017, durante o governo de Michel Temer, e foi mantido no cargo ao longo de todo o governo de Jair Bolsonaro. Em protesto contra a permanência de Santos, nos últimos dias, famílias do MST ocuparam e desocuparam a sede do Incra em Maceió (AL).
“Sobre o Incra de Alagoas, nós estamos em uma negociação longa, desde ontem à noite [dia 10]. O que nós estamos pedindo ao governo é que tem que trocar o superintendente, que esse aí foi nomeado pelo governo Temer. E tem um problema em especial no caso desse superintendente, não é só que ele é bolsonarista, tem vários bolsonaristas. É que ele é uma figura muito violenta, ele já agrediu famílias assentadas, ele anda armado nas áreas de assentamento, então não tem condições de mantê-lo. Então que o governo nomeie outra pessoa.”
Em protesto contra a permanência de Santos, um grupo de famílias do MST ocupou a sede do Incra em Maceió (AL) na segunda-feira (10). Depois da desocupação ocorrida no dia seguinte (11), segundo Rodrigues o governo prometeu nomear outra pessoa para o cargo em Alagoas, cujo nome está sendo avaliado. Em nota ao portal G1, o Incra de Alagoas disse que “não recebeu oficialmente a pauta de reivindicações dos movimentos sociais” e que “nomeações e exonerações não são tratadas regionalmente”.
Outro foco está na Superintendência de Mato Grosso. A possibilidade de nomeação de Silvano Amaral (MDB), um suplente de deputado estadual que atualmente está no exercício do mandato, enfureceu as organizações ligadas a famílias sem-terra, direitos humanos, indígenas e meio ambiente. Em uma carta aberta, 40 organizações repudiaram a possível nomeação de “qualquer nome ligado à bancada ruralista e do agronegócio para assumir a Superintendência do Incra”.
“O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Cuiabá, fruto do sucateamento do (des)governo Bolsonaro, encontra-se de portas fechadas há mais de 6 meses, interditado pela Defesa Civil, totalmente sem condições de infraestrutura e organizacional para continuar funcionando”, diz a nota subscrita, entre outras entidades, pela CPT (Comissão Pastoral da Terra), o MST e o Cimi (Conselho Indigenista Missionário). Segundo as organizações, em 2021 quase 10% da população do campo, cerca de 50 mil pessoas, “estiveram em alguma situação de conflito”. Cerca de 390 famílias “foram expulsas ou passaram por processo de despejo no Estado”. Mato Grosso é, segundo a nota, “o terceiro Estado com maior número” de trabalhadores resgatados do trabalho escravo. Ouvido pelo site de Cuiabá “Olhar Direto”, Silvano Amaral negou que seja relacionado ao agronegócio e negou possuir fazenda.
“Esse é o cenário avassalador do Estado de Mato Grosso, reflexo do abandono do governo Bolsonaro, que se posicionou publicamente a favor da grilagem de terras públicas e, contra indígenas, quilombolas, camponeses e camponesas. A cada ano se observa a redução do número de assentamentos e de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária; dos processos de regularização fundiária dos territórios quilombolas; e dos processos de regularização fundiária de áreas públicas federais. A drástica redução orçamentária, o sucateamento do Incra, a desistência de processos em andamento resulta na paralisação do Programa Nacional de Reforma Agrária”, diz a nota das entidades.
Segundo o MST, a apresentação de um plano nacional de reforma agrária vem sendo cobrada do governo Lula em reuniões em Brasília. Ceres Hadich, integrante da direção nacional do MST, disse ainda que “nosso entendimento é esse, que enquanto tiver terra sem gente e gente sem terra, precisando dela para poder viver, trabalhar, criar seus filhos, pode ter uma vida mais digna, a luta pela terra vai continuar no nosso país”. Ceres disse que a “reforma agrária nunca foi realizada” e que a ocupação de fazendas “é uma necessidade de resistência, de sobrevivência”.
O MST disse ter promovido 40 ocupações de “latifúndios improdutivos” apenas no último ano do governo Bolsonaro, e 16 desde o início do ano durante o governo Lula. Nas manifestações de abril, deverá ocorrer “alguma ocupação”, disse Rodrigues, mas não haverá uma “jornada de ocupações”, ou seja, um grande número. Ele citou que o MST tem 600 acampamentos espalhados pelo país.
“[Fazer] ocupação é muito difícil. As famílias quando vão para ocupação, é porque é uma das últimas alternativas que ela tem de ter a possibilidade de ter um pedaço de terra. Porque ela vai ter que conviver numa situação difícil e por causa de um sonho que é a terra prometida. Ou seja, nós cristãos, não temos problema em pegar um deserto longo para ter a terra prometida. Agora, não precisávamos, porque no caso do Brasil, tem terra, terra improdutiva, tem lei, tem orçamento, tem tudo. Então para nós a ocupação é um ato político de denúncia de uma situação super difícil. […] Nós não queremos guerra, nós não queremos violência, nós queremos terra para trabalhar. Se o governo pudesse resolver essa frente para nós, ficaríamos muito felizes.”