Até o momento não se conhece nenhum pedido de prisão contra Jair Bolsonaro. No entanto, o ex-presidente, cujo retorno ao Brasil é previsto para esta quinta-feira (30), é objeto de inúmeros inquéritos e acusações. Apenas pelo escândalo das joias, a Polícia Federal (PF) já o intimou a depor em 5 de abril.
Uma das implicações mais importantes também é recente. A pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), incluiu o ex-chefe de governo no inquérito 4.921. O processo corre em segredo de justiça e apura sua suposta contribuição para o ataque às sedes dos Três Poderes no dia 8 de janeiro.
Para os procuradores que assinam o pedido, o ex-presidente passou a ser passível de investigação quando postou um vídeo no dia 10 de janeiro. Mesmo após os atos golpistas em Brasília, classificados como terroristas por Moraes, ele continuou disseminando informação mentirosa sobre o pleito. Depois apagou a postagem.
Nos inquéritos do STF sobre o 8 de janeiro, a Corte pode enquadrar os investigados em sete crimes:
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
Golpe de Estado;
Dano qualificado;
Associação criminosa;
Incitação ao crime;
Destruição; e
Deterioração ou inutilização de bem especialmente protegido.
O vídeo foi divulgado depois dos ataques, mas os procuradores acreditam que pode haver conexão fática entre a invasão dos prédios na Praça dos Três Poderes e o comportamento de Bolsonaro desde seus ataques incessantes ao processo eleitoral.
“Prisão não seria surpresa”
Considerando a conduta de Bolsonaro a partir do início de seu mandato, o advogado criminalista Luiz Fernando Pacheco considera, em tese, que o ex-presidente pode ser preso. Mas avalia como importante que sejam respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa.
“Porém, os fatos pelos quais ele é acusado, praticados à vista de toda a nação, principalmente tendo em vista ele ter fugido do país no dia 30 de dezembro, e do exterior estimular a loucura de um golpe de Estado, tudo isso recomendaria sua prisão preventiva para garantir a ordem pública”, diz Pacheco. “Para mim não seria surpresa.”
Apesar disso, enquanto o ex-governante não desembarcar no país, o advogado considera que, com seu comportamento errático, ele pode nem vir. “Se vier, acho que corre sério risco de ser preso.” De acordo com Pacheco, um magistrado, por exemplo o próprio Alexandre de Moraes, poderia decretar a prisão de Bolsonaro a pedido do Ministério Público Federal, no âmbito de inquérito que corre no STF.
Já o professor de Direito Constitucional Lenio Luiz Streck não acredita em pedido de prisão do ex-presidente. “Enquanto não houver uma resposta efetiva da Justiça em relação aos atos do Bolsonaro e tudo o que ele fez, ele está livre. Ele sequer é processado, é só um investigado”, diz.
“Só se tivesse um fato novo. Se não pediram prisão até agora e nem sequer tem ação penal, por que mandariam prender agora? Chance nenhuma”, acrescenta. Em sua opinião, ante o fato da volta de Bolsonaro ao país trazendo ameaças na bagagem, o sistema de Justiça falhou.
Justiça eleitoral e episódio dos embaixadores
Fora as ações passíveis de punições na área penal, a disseminação de mentiras para tirar a credibilidade do processo eleitoral ensejam ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). São nada menos do que 16 Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes) contra Bolsonaro no TSE.
Nessa esfera, a Aije mais adiantada e mais próxima de transformar Bolsonaro em inelegível é o episódio dos embaixadores. Em 18 de julho do ano passado, o então presidente reuniu dezenas de embaixadores de vários países no Palácio da Alvorada para falar de “transparência das eleições”.
Ameaçou a democracia, atacou as urnas eletrônicas, tribunais e ministros das cortes e literalmente desenhou o roteiro de um golpe. Ele declarou que falhas no sistema eleitoral podiam ser “corrigidas” antes do pleito e, se não fossem, era porque as autoridades não queriam, a começar do então presidente do TSE, Edson Fachin, e do vice naquele momento, Alexandre de Moraes, que hoje preside o tribunal.
Bolsonaro definiu Fachin como “o homem que tornou Lula elegível”. Sobre Moraes, declarou que era “quem define o que é fake news”.
Imitador de Trump
À época, a pesquisadora em relações internacionais Miriam Gomes Saraiva, do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), afirmou à RBA que os atores internacionais acreditavam que Bolsonaro tentava repetir Donald Trump e poderia tentar um golpe.
No evento no Alvorada, o ex-presidente teria praticado abuso de poder político. Além de usar indevidamente os meios de comunicação estatais, pois a “recepção” aos embaixadores teve divulgação pela TV Brasil.
A minuta golpista
Posteriormente, o corregedor-geral eleitoral no TSE, ministro Benedito Gonçalves, incluiu a chamada minuta golpista na ação referente aos embaixadores. Tratava-se de um decreto, encontrado na casa de Anderson Torres – ex-ministro da Justiça, hoje preso – que permitiria instaurar estado de defesa na sede do TSE. Na prática, uma intervenção militar para anular a eleição.
A “revelação” do senador Marcos do Val (Podemos-ES), que afirmou ter participado de uma reunião com Bolsonaro para discutir a anulação dos resultados da eleição de outubro, se inseriu nesse contexto.
Crimes segundo CPI da Covid
Apenas segundo a CPI da Covid, em 2021, que apurou delitos praticados durante a pandemia, Bolsonaro incorreu em nove crimes, mas a Procuradoria-Geral da República, sob comando de Augusto Aras, nunca deu andamento ao relatório da comissão.
O então presidente teria incorrido em prevaricação; charlatanismo; epidemia com resultado morte; infração a medidas sanitárias preventivas; emprego irregular de verba pública; incitação ao crime; falsificação de documentos particulares; crime de responsabilidade e crimes contra a humanidade.
Nesta terça-feira (28), o Brasil superou a marca de 700 mil mortos pela covid-19. A maioria delas poderia ter sido evitada, como retrata o filme Eles poderiam estar vivos.
O escândalo das joias
No mais recente caso, o do escândalo das joias recebidas como presente da Arábia Saudita, o advogado criminalista Leonardo Yarochewsky afirmou no início do mês que, em tese, existe materialidade dos crimes de descaminho e peculato.
Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, não foram duas, mas até o momento são três as caixas de joias sauditas que envolvem o nome do ex-presidente.
Algumas peças do tesouro árabe saíram dos palácios do Planalto e da Alvorada e teriam feito um pit-stop em fazenda do amigo Nelson Piquet antes de irem parar no cofre pessoal do ex-presidente. Mas parece que a operação queimou a largada.