Prefeitura de pai de Lira em Alagoas recebeu R$ 1,7 milhão em 2022; média de atendimentos é 3 vezes o da capital
Por Alice Maciel, Bruno Fonseca – Agência Pública
O presidente da Câmara dos Deputados e aliado de Jair Bolsonaro (PL), Arthur Lira (PP-AL), destinou R$ 1,7 milhão de emendas secretas para a prefeitura comandada pelo pai, Benedito de Lira (PP-AL), apenas neste ano. O envio do recurso para Barra de São Miguel, em Alagoas, aconteceu através do esquema conhecido como orçamento secreto, ou “Bolsolão”.
E mais, a Agência Pública apurou com exclusividade que esse dinheiro, destinado por Lira para o Fundo Municipal de Saúde, foi liberado junto a uma explosão de registros de atendimentos nas unidades de saúde do município a partir de 2021, com recorde neste ano.
Só nos primeiros oito meses de 2022, Barra de São Miguel registrou cerca de 12 atendimentos para cada habitante. É como se cada morador da cidade já tivesse sido atendido mais de uma vez por mês. Isso equivale a três vezes a média da capital Maceió no mesmo período, de 3,8 atendimentos por habitante.
Barra de São Miguel é um município famoso por suas praias cristalinas, localizada a 28,9 quilômetros (meia hora de carro) de Maceió. Por lá moram pouco mais de 8,4 mil pessoas, de acordo com as estimativas do IBGE. A cidade conta com três postos de saúde e uma policlínica. Segundo os dados da Prefeitura, 38 médicos passaram pela folha de pagamento neste ano.
Apesar da população pequena, a prefeitura registrou quase 100 mil consultas, atendimentos ou acompanhamentos apenas de janeiro a agosto deste ano. Os dados foram inseridos no sistema do DataSUS, do Ministério da Saúde, e justificaram um gasto de quase meio milhão de reais no período. Esse gasto veio do mesmo fundo que foi abastecido com dinheiro das emendas do orçamento secreto.
Para se ter uma ideia, em todo o ano passado, Barra de São Miguel havia registrado 65 mil atendimentos a um valor total de R$ 259 mil — metade do montante autorizado em oito meses deste ano, de R$ 533 mil. A explosão de registros em pleno ano eleitoral, coincide com o envio polpudo de dinheiro de Arthur Lira para o Fundo Municipal de Saúde da cidade, que ocorreu através do orçamento secreto.
Para desvendar esse segredo, a reportagem cruzou os dados das emendas indicadas com os valores que já foram empenhados e pagos neste ano. Descobrimos que o deputado fez duas indicações de emendas em saúde para Barra de São Miguel — exatamente nos mesmos valores que foram liberados neste ano para o município, através do Ministério da Saúde. Os pedidos foram direcionados para atenção primária e demandas de média e alta complexidade.
Procurada, a secretária Municipal de Saúde, Laryssa Mota, disse que não poderia passar informações porque assumiu o posto em agosto. Ao ser questionada sobre seu antecessor no cargo, ela disse desconhecer quem era. Entramos em contato com o ex-secretário, Arachele Loureiro, mas não obtivemos retorno. A prefeitura e o prefeito Benedito de Lira também não retornaram às tentativas de contato por e-mail e WhatsApp, respectivamente. As perguntas enviadas para a assessoria de imprensa de Arthur Lira também não foram respondidas.
O caso de Barra de São Miguel se assemelha aos das prefeituras de Maranhão, revelado pela Revista Piauí. O jornalista Breno Pires mostrou que prefeituras maranhenses registraram atendimentos médicos desproporcionais aos habitantes e com valor das consultas muito superior à média nacional. Ele descobriu que essas consultas não eram realizadas e que o número teria sido inflado para receber mais recursos das emendas do orçamento secreto.
A história ganhou repercussão e atenção da Polícia Federal, que deflagrou a Operação Quebra Ossos. Segundo a PF, “as investigações apontaram que o município de Igarapé Grande/MA teria informado, em 2020, a realização de mais de 12,7 mil radiografias de dedo, quando a sua população total não supera os 11,5 mil habitantes, fato que culminou na elevação do teto para o repasse de recursos que financiam ações e serviços de saúde no ano subsequente (2021)”.
“Vim aqui por causa de uma dor que estou sentindo. Passou raio-x e amoxicilina. Mas, o posto não tinha, tive que pagar. Mais esse custo quando tudo está tão caro, pesa no bolso”, diz Luciana Albuquerque do Nascimento, 38 anos. Ela, que é dona de casa, foi ao pronto-atendimento de Barra de São Miguel com fortes dores na bacia. Medicada, a plantonista receitou a amoxicilina, que o posto não tinha.
A falta do medicamento de Luciana contrasta com um dado da Prefeitura: a administração de medicamentos na atenção especializada é justamente um dos atendimentos que mais cresceu nos registros do município: foi de 21,7 mil em 2021, para 32,5 mil nos oito primeiros meses de 2022. O aumento na quantidade também refletiu num maior custo: de R$ 13,6 mi em 2021, para R$ 20,5 mil em 2022.
A reportagem conversou com outros profissionais de saúde, que afirmaram que a carência de medicamentos é um problema sazonal. Maria Andreza dos Santos, enfermeira do pronto-atendimento, disse que a falta de medicamentos ou insumos ocorre geralmente quando está em falta em todo o estado. Por outro lado, ela reclamou de problemas de estrutura nas unidades de saúde. “A estrutura física está bem comprometida e precisa passar por uma reforma”, conta.
Os atendimentos de saúde em Barra de São Miguel são uma verdadeira montanha-russa de números e valores. Somente nos oito primeiros meses de 2022, o município registrou mais consultas que em todos os três anos anteriores juntos. A quantidade de consultas em 2022 é um recorde histórico: é o maior em 15 anos. Em 2018 e 2019, por exemplo, não passaram de 12 mil por ano (período sem pandemia).
A explosão na quantidade de registros de atendimentos coincide com a chegada do pai de Arthur Lira à prefeitura. No seu primeiro ano como prefeito, em 2021, o número informado de consultas mais que triplicou. Este crescimento também elevou o valor que o município informa ter gasto com esses atendimentos — pré-requisito para que a prefeitura receba mais dinheiro das emendas.
Barra de São Miguel é um dos 37 municípios alagoanos que teriam recebido emendas pedidas por Arthur Lira neste ano, segundo o cruzamento feito pela reportagem. Ao todo, o político solicitou emendas para 40 prefeituras no estado.
O deputado federal Arthur Lira é um dos políticos que mais tem se beneficiado das emendas do chamado Bolsolão no Brasil. Segundo a Pública apurou, ele foi o segundo político que indicou mais dinheiro em emendas secretas neste ano eleitoral — mais de R$ 134 milhões. Lira fica atrás apenas de Wellington Antonio Fagundes, senador em Mato Grosso pelo PL de Bolsonaro, que indicou R$ 150 milhões neste ano.
Além de ser um dos políticos que mais indicou emendas secretas em 2022, o presidente da Câmara é um dos mais agraciados pelo Governo Bolsonaro com a liberação desses recursos. A Pública cruzou os dados de indicações e empenhos que apontam que Lira pode já ter conseguido empenhar R$ 122 milhões neste ano — mais de 91% do total que o deputado pediu.
A liberação de emendas parlamentares o ajudou a se reeleger deputado federal com o maior número de votos no Estado. Barra de São Miguel, por exemplo, foi o quarto município que mais rendeu votos ao deputado, proporcionalmente. Ele teve praticamente um voto a cada três habitantes.
Procurada, a secretária Municipal de Saúde, Laryssa Mota, disse que não poderia passar informações porque assumiu o posto em agosto. Ao ser questionada sobre seu antecessor no cargo, ela disse desconhecer quem era. Entramos em contato com o ex-secretário, Arachele Loureiro, mas não obtivemos retorno. A prefeitura e o prefeito Benedito de Lira também não retornaram às tentativas de contato por e-mail e WhatsApp, respectivamente. Após a publicação da reportagem, o prefeito respondeu que ”A saúde agora na nossa gestão é levada a sério! Não só a saúde como tudo que me proponho a fazer durante toda minha vida”. As perguntas enviadas para a assessoria de imprensa de Arthur Lira não foram respondidas.
Bruno Fonseca/Agência Pública
Beto Macário/Agência Pública
Bruno Fonseca/Agência Pública
Beto Macário/Agência Pública
Elaine Menke/Câmara do Deputados
*Colaborou Beto Macário
Reportagem originalmente publicada na Agência Pública